Pizza foi por muito tempo, e ainda é, visto por muitos como um alimento fastfood. Mas será que a pizza pode ser saudável? Podemos consumir pizza na dieta?
Se tem uma coisa que me deixa p* da vida é quando as pessoas querem dizer o que os outros devem ou não comer. Eu não sou nutricionista, mas sou cozinheiro e estudo muito sobre alimentação. Então eu vou trazer uma série de explicações e argumentos devidamente contextualizados sobre como a pizza pode sim ser um alimento saudável. Lembrando que eu não estou aqui dizendo o que você deve ou não consumir, isso cabe a você e aos profissionais de saúde que te acompanham decidir.
O que é um alimento saudável? Pizza é saudável?
Essa é uma pergunta bastante difícil de responder então eu vou dizer aqui o que eu considero um alimento saudável e vou fundamentar a minha explicação. Atualmente temos muito clara a diferenciação entre alimentos in Natura, alimentos processados e alimentos ultra processados. De acordo com o Guia Alimentar da população brasileira:
“Alimentos in natura são obtidos diretamente de plantas ou de animais e não sofrem qualquer alteração após deixar a natureza. Alimentos minimamente processados correspondem a alimentos in natura que foram submetidos a processos de limpeza, remoção de partes não comestíveis ou indesejáveis, fracionamento, moagem, secagem, fermentação, pasteurização, refrigeração, congelamento e processos similares que não envolvam agregação de sal, açúcar, óleos, gorduras ou outras substâncias ao alimento original.” (p29)
“Alimentos processados são fabricados pela indústria com a adição de sal ou açúcar ou outra substância de uso culinário a alimentos in natura para torna-los duráveis e mais agradáveis ao paladar. São produtos derivados diretamente de alimentos e são reconhecidos como versões dos alimentos originais. São usualmente consumidos como parte ou acompanhamento de preparações culinárias feitas com base em alimentos minimamente processados.” (p. 38)
“Alimentos ultraprocessados são formulações industriais feitas inteiramente ou majoritariamente de substâncias extraídas de alimentos (óleos, gorduras, açúcar, amido, proteínas), derivadas de constituintes de alimentos (gorduras hidrogenadas, amido modificado) ou sintetizadas em laboratório com base em matérias orgânicas como petróleo e carvão (corantes, aromatizantes, realçadores de sabor e vários tipos de aditivos usados para dotar os produtos de propriedades sensoriais atraentes). Técnicas de manufatura incluem extrusão, moldagem, e pré-processamento por fritura ou cozimento.” (p.41)
De modo resumido, o que o guia nos recomenda é que a dieta deve ser baseada principalmente em alimentos in natura, podendo também trazer alimentos processados, e evitando ao máximo alimentos ultraprocessados.
Mas afinal, a pizza é um ultraprocessado? Sim e não. O que vai determinar se a pizza é um alimento processado ou ultraprocessado são o preparo e os ingredientes da cobertura. Uma pizza marguerita, por exemplo, que leva só massa a base de trigo, tomate cru batido e mozzarela de búfala é um alimento processado. Uma pizza com molho de pacotinho (aqueles cheio de aditivos e temperos), queijos à base de gordura hidrogenada (como muitos cheddars e requeijões de bisnaga mais baratos) e embutidos de baixa qualidade, pode ser considerada ultraprocessado.
Já vamos começar excluindo a hipótese dos ultraprocessados da nossa lista de alimentos saudáveis. Isso limita, mas não elimina as possibilidades de consumo da pizza.
Qual contexto de consumo?
Alimentos ultraprocessados não devem ser consumidos por ninguém, mas vamos pensar numa pizza bem feita e bem equilibrada, ainda assim há contextos de consumo diferentes. Vou tentar dissertar sobre alguns aqui. A começar pelo polêmico glúten.
“Se tem trigo, não é saudável”, isso é mentira, pura e simples. E esse assunto me tira do sério. O trigo é o cereal mais consumido no mundo, alimenta a humanidade, e pintam uma imagem de que é um veneno … não é.
“Ai mais o glúten é inflamatório”
Algumas pessoas têm alergia ao glúten, é fato, essas não podem consumir. Mas se não é seu caso, o glúten não será inflamatório para você caso você faça o devido preparo e fermentação da massa. Tudo tem um ponto certo de cozimento para ser adequado para o consumo. Do mesmo jeito que não se mastiga uma mandioca crua, nem se come ovo de canudinho direto da casca, muito menos frango mal passado, uma massa com fermentação muito rápida não vai te matar, mas certamente não será bem absorvida pelo organismo.
O fermento e as enzimas presentes na farinha de trigo vão tornar o processo digestivo da massa mais fácil quanto mais tempo ficar a massa em descanso. Se estivermos falando de um fermento natural, ainda temos os ácidos que vão ajudar nesse processo. Nada de desconforto e mal estar para massas fermentadas da maneira correta. Não é o trigo, é o preparo.
“Mas o trigo de hoje é diferente de antigamente, foi modificado para ser mais forte e faz mais mal”. Isso também é MENTIRA. Eu não vou nem começar essa discussão aqui para não perder o foco, mas vou deixar esse vídeo das meninas do canal Nunca vi 1 cientista que explica muito bem como surgiu esse equívoco.
“Mas e a lactose?”
Os laticínios e derivados são o grupo alimentar mais consumido em todo o mundo. Aqui vale o mesmo argumento anterior: se você não tem alergia à lactose, não terá problemas. Claro que quando falamos de queijo o buraco é mais embaixo do que quando falamos de trigo. Há muitos “queijos” no mercado que são ultraprocessados, e esses dão dor de barriga em qualquer um. Já me deparei com “queijo cheddar” que era literalmente “gordura hidrogenada sabor cheddar”. Isso aí da um piriri até na pessoa mais saudável e com o melhor intestino do brasil. Não dá para comparar com uma ricota, um muçarela pura, um queijo brie, ou até mesmo um cottage.
Para além disso temos os casos das pessoas que estão em dieta de emagrecimento, ou ganho de peso. E aí, mais uma vez, cada caso é um caso e você tem que saber o seu. Eu tenho 1,82 peso 70kg tenho um metabolismo acelerado e faço atividade física 5 vezes por semana. Estou tentando ganhar peso e preciso consumir 3.000kcal por dia. Isso não significa que eu posso comer qualquer coisa de qualquer jeito. Existe uma proporção de carboidratos, proteína, gordura e fibra que eu tenho que consumir. Caberia uma pizza nessa conta? Vamos descobrir. O mesmo vale para quem quer perder peso. Teoricamente devemos comer os mesmos tipos de alimentos, mas em quantidades diferentes.
Daqui para frente eu vou me ater a um exemplo para fazermos algumas contas e comparações. Leve isso em consideração. Vou pegar uma pizza marguerita feita pelo processo sugerido pela Associação Verace Pizza Napolitana. Minha escolha é baseada no fato de que esse tipo de pizza tem um padrão internacional de preparo e que é minha favorita. Uma pizza napolitana desse tipo deve ter obrigatoriamente:
250g de massa
80g de tomate pelado
100g de muçarela de bufála
Um fio de azeite de oliva e algumas folhas de manjericão
Vamos nos ater ao valor nutricional desses ingredientes, tendo em vista que pode haver variação conforme a marca.
Em 250g de massa de pizza temos aproximadamente 155g de trigo que é o responsável pela carga de carboidratos. Vamos analisar os macronutrientes dessa pizza (carboidrato, proteína e gordura)
Insumo | Carboidrato | Proteína | Gordura | Kcal |
155g de trigo | 90g | 19,2g | 0 | 450 |
80g de tomate | 4g | 1,1g | 0 | 26,5 |
100g muçarela | 1,98g | 21,5g | 30g | 363 |
Total (aprox) | 96g | 42g | 30g | 840kcal |
Uma pizza dessa tem 840Kcal, o que pode ser muito se você está numa dieta de restrição calórica. Talvez uma pizza inteira não caiba na sua dieta, mas ¼ dessa pizza, por exemplo vai pesar uns 120g e teria 210kcal. Se comparar com a mesma quantidade de tapioca, temos cerca de 260kcal e muito menos proteína e gordura. E quem é que vai dizer que tapioca é menos saudável do que pizza? Eu vou.
Claro que estamos analisando um exemplo, poderia ser uma pizza mais calórica, mas também poderia ser uma menos calórica. Uma pizza de abobrinha com queijo, por exemplo, seria menos calórica. Uma de catupiry certamente seria mais. São escolhas que podemos fazer e temos que ter critérios para isso. É sobre isso que estamos falando aqui.
Uma pizza dessa com essas 840kcal num sábado à noite, para mim, cabe perfeitamente como minha refeição do jantar. Para você que quer emagrecer talvez caiba um pedaço. Só coma sem culpa.
Falando em restrições alimentares, temos os exemplos dos diabéticos. Um dilema terrível na vida do diabético é o que eu vou comer que não vai jogar minha glicemia para o espaço! Na verdade, essa deveria ser uma preocupação de todas as pessoas, já que glicemia alta é um problema na vida de qualquer um. Isso sim pode desencadear uma série de inflamações no organismo. No meu caso mesmo se traduz na acne com a qual eu luto a vida toda. Consumir 3.000kcal por dia sem ficar letárgico ou pré-diabético não é uma tarefa trivial. Mas esse assunto vale um tópico extra.
Índice glicêmico e carga glicêmica
Um ponto muito relevante, para além da quantidade de calorias, é o efeito que elas têm no nosso organismo. Batata doce tem até mais calorias que a batata inglesa, mas tem um índice glicêmico menor, por isso é muito indicada por nutricionistas. Mas afinal, o que isso significa?
O índice glicêmico é calculado a partir da glicemia encontrada no sangue em até duas horas após a ingestão de um determinado alimento fonte de carboidrato. Na prática nos diz com que velocidade um alimento aumenta a glicemia no sangue após ser consumido. Alimentos de alto índice glicêmico dão um pico de glicemia maior, porque são absorvidos mais rápido e, da mesma forma, tem a saciedade por menos tempo. Já alimentos com maior concentração de gordura, proteína e fibras, tende a ter o índice glicêmico menor, e estar disponível no sangue mais lentamente, sem gerar grandes picos de glicemia.
A carga glicêmica, por outro lado, diz respeito à quantidade consumida. A glicemia não depende somente do alimento, mas de quanto você come também! Sempre me perguntam “Willian, os pães de fermentação natural podem ser consumidos por diabéticos?” Eu sempre respondo “Podem, mas cuidado com a quantidade”. Comer 30g de pão (1 fatia) e comer 600g (1 pão italiano inteiro) é ridiculamente diferente.
O índice glicêmico dos alimentos pode ser consultado em tabelas de referência. A carga glicêmica é calculada pela multiplicação da quantidade de gramas de um carboidrato pelo índice glicêmico dele e dividido por 100.
Um índice glicêmico considerado alto é acima de 70, médio é na casa dos 55 à 69, e baixo é na casa dos 55 para menos. Já a carga glicêmica considerada alta é acima de 20, média entre 11 e 19 e baixa fica em 10 ou menos.
Vamos voltar ao nosso exemplo.
Insumo | Carboidrato | Indice glicêmico | Carga glicêmica | Kcal |
250 de massa | 90g | 70 | 25 | 450 |
80g de tomate | 4g | 20 | 0,8 | 26,5 |
100g muçarela | 1,98g | 0 | 0 | 363 |
Fazendo uma média ponderada de acordo com a quantidade de cada ingrediente, o índice glicêmico da pizza fica em 44. A carga glicêmica por cada 100g de pizza fica em 9,8. Vamos fazer uma comparação com outros alimentos nas mesmas quantidades?
Índice glicêmico e carga glicêmica por 100g | ||
Pão Frances | 95 | 46,1 |
Arroz integral | 50 | 10,6 |
Arroz branco | 89 | 28,6 |
Aveia | 58 | 5,5 |
Pizza é saudável ou não?
A pizza pode ser perfeitamente bem inserida dentro de um contexto nutricional desde que atenda aos critérios e necessidades do indivíduo. Uma pizza bem equilibrada em nutrientes, sem adição de ultraprocessados, feita com processos adequados de fermentação pode ser um excelente aliado numa alimentação saudável, mesmo no contexto de uma dieta de perca de peso. Salvo sempre, as devidas quantidades e frequência de consumo para cada pessoa.
Links consultados
http://www.intranet.fcf.usp.br/tabela/lista.asp?base=r
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf